A proposta de se trabalhar numa perspectiva de gênero requer a exposição de um conjunto de argumentos. Em primeiro lugar, é fundamental perceber que, quando se fala em comunidades pesqueiras, a atividade produtiva da pesca é um dos elementos que lhes configura, mas não o único. A constituição de uma comunidade como tal implica na equação entre suas atividades produtivas, suas expressões políticas, suas práticas e manifestações socioculturais. Assim, quando falamos em comunidades pesqueiras, não estamos reduzindo nosso foco à figura do pescador ou, pelo menos, não à sua atividade profissional em específico.
Da mesma forma, entende-se que os impactos gerados pelas atividades ligadas ao setor petrolífero não se limitam ao espaço produtivo da pesca e, por conseguinte, ao pescador no desempenho de seu ofício. Tais implicações socioambientais afetam um contexto mais amplo, que transcende o espaço produtivo e que, portanto, compreende todos os indivíduos de uma comunidade. Por outro lado, a assimetria das relações de interdependência próprias da vida coletiva faz com que os impactos aludidos sejam sentidos de forma muito mais intensa pelos grupos que, dentro da comunidade, estejam socioeconomicamente subordinados. Ou seja, trata-se, nesse contexto, de se priorizar indivíduos e grupos que se encontram numa situação de vulnerabilidade ainda maior.
No caso das comunidades pesqueiras artesanais é possível verificar uma situação historicamente construída na própria atividade da pesca, intensificada pela influência das formas de produção e sociabilidade capitalistas, que resulta na configuração de um grupo específico, as mulheres pescadoras. Tal como mencionado anteriormente, identificá-las como pescadoras não implica em reduzi-las a uma condição produtiva. Isto porque o que lhes confere singularidade não é o ofício - que, ao contrário, é um dos principais elementos de identificação comunitária - mas sim a condição feminina.
Apesar de sua expressividade, não apenas numérica, mas enquanto força de trabalho, as mulheres pescadoras padecem de uma “invisibilidade”, fruto da hierarquia dos gêneros socialmente construída. Nesse sentido, trata-se de um grupo subordinado tanto nas relações socioeconômicas quanto de gênero e poder, as quais não se dão de forma paralela, mas sim de forma concomitante, numa lógica que mantém e/ou intensifica esta situação de subordinação.
De outra parte, o caráter concomitante das atividades que desempenham faz com que, mesmo com uma jornada difícil de ser mensurada cronologicamente, seu trabalho não seja categorizado como atividade profissional.
O que se percebe numa proposta de mudança de paradigma, é que a figura feminina, nessas comunidades, possui uma característica que lhe confere, ao mesmo tempo, peculiaridade e relevância. Trata-se de seu papel como aglutinador familiar e comunitário, não numa perspectiva romântica, mas sim pragmática, uma vez que as famílias nas comunidades pesqueiras não fogem ao quadro que se apresenta em todo o país, em que as mulheres são efetivamente chefes de família, condição que pode ou não implicar em ser “provedora” do lar, pois não se limita ao critério econômico-financeiro.
No contexto dos municípios que compõem a área de abrangência do PEA-FOCO observam-se peculiaridades relativas aos dados de produção pesqueira que precisam ser sistematizadas e identificadas, para que seja possível remetermo-nos à proposição de um conjunto de estratégias. Tais dados, como também a escassez deles (principalmente no que tange aos recortes de gênero), impulsiona e justifica a construção de um PEA que proporcione tanto a visibilidade desses grupos, quanto se possa aprender com eles e elas suas formas de resistência, criatividade na organização e tantas outras contribuições que o recorte artesanal e de gênero possa trazer na discussão da gestão ambiental pública.